Uma Questão de Tempo

        Ao longo da vida é normal que se tenha objetivos e metas a serem alcançadas. Concluir os estudos, arranjar um trabalho, ter condições de ajudar a família, casar, ter filhos, dar uma boa educação para que os filhos se transformem em homens e mulheres honestos e cheios de dignidade e valores, mudar de carreira, de emprego, de casa, melhorar os relacionamentos, ser mais eficiente, enfim.
São tantos os objetivos, alguns se concretizam outros não, uns são esperados que se realizem dentro de um determinado tempo, um tempo relativamente curto, já outros são para longo prazo, bem longo mesmo, a ponto de nem sequer se esperar vê-los realizados.
Mas para que ter um objetivo que não se pode ver realizado? Como se dedicar a realização de algo que não será desfrutado?
Diante de indagações como essas, me recordo de duas coisas, a primeira é o que costumo chamar de “o tempo budista”, mas o que será que isto quer dizer, deve se perguntar.
Ora, os budistas acreditam no renascimento, ou seja, acreditam que esta não é a única vida nem será a última. Todo renascimento é impermanente, ou seja, não se vive para sempre e isto significa dizer que nascemos e morremos e esse ciclo de renascimentos é chamado samsara.  Os budistas também acreditam no karma, que é ação intencional. Uma ação sem intenção não é karma e todo karma, ou ação intencional, produz frutos, ou vipaka e esses frutos podem ser colhidos de imediato, mais tarde nesta vida, ou em alguma outra vida. Os frutos de karma, ou vipaka, em grande parte determinam as nossas experiências de vida, as sensações que marcam essas experiências e também o renascimento. E o objetivo último e mais importante de todo budista é alcançar a iluminação ou nibbana, que é o mesmo que nirvana e que significa romper o ciclo de renascimentos e experimentar a libertação transcendente. Ou seja, partindo do princípio de que o ideal budista é a transcendência e que esta depende de todas as pequenas ações executadas nesta ou em outras vidas, o tempo budista se estende e o imediatismo não faz sentido algum.
Libertador, não é mesmo? Pensar assim apazigua meu coração e me dá forças para  que me concentre na tarefa, na ação, por mais insignificante que ela possa parecer, com a certeza de alcançar o objetivo final. Esse pensamento eu carrego comigo e em qualquer momento da minha vida, seja qual for meu objetivo ou meta a ser alcançada, nunca penso no horizonte idealizado, mas no caminho que me levará a ele, pois qualquer objetivo pode ser alcançado se, com foco, nos concentrarmos no que precisa ser feito, no que é certo e naquilo que nos eleva, não no sentido de nos tornarmos melhor do que o outro, mas no sentido de nos tornarmos um ser humano melhor, tendo consciência de que não estamos sós nesse mundo e que tudo está conectado.
E a segunda coisa de que sempre me recordo é dos exemplos de sabedoria do Seu Donizeti, meu compadre, meu amigo, alguém em quem eu sempre presto atenção, pois tem muito a ensinar com a simplicidade da sua vida e seu desprendimento.
Certa vez conversávamos sobre o pomar que ele estava formando em seu sítio e ele dizia já ter plantado muitas mudas de frutíferas, inclusive jabuticaba, que eu adoro. Então perguntei-lhe se a muda que plantou era enxertada, porque senão demoraria dez anos para dar e sendo ele já um senhor, poderia nem provar dos frutos. E foi aí que com toda a sua sabedoria ele me disse que não se preocupava com isso, que as mudas tinham sido um presente e que isso por si só já tinha valor e que seu prazer era trabalhar e plantar e cuidar para que seu sítio, que um dia seria de seus filhos e netos, pudesse estar repleto de belas árvores a dar frutos mesmo que ele nunca os provasse.
E quem é o Seu Donizeti, um iluminado, um santo, alguém perfeito? Claro que não! Ele é alguém que leva uma vida simples e procura ser feliz com o que tem. É alguém solícito que não deseja mal a ninguém e que por sua simplicidade e determinação de fazer aquilo que o faz feliz, independente de colher os frutos nesta ou em outra vida, é um exemplo concreto de uma bela filosofia. Tudo é uma questão de tempo se deixar-se guiar pelas virtudes.
Fica a dica, não se deixe guiar pelo imediatismo para ser feliz, porque felicidade é aqui e agora.


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